25 de julho de 2013

Sobre equidade e diferenças

No último domingo tive o imenso prazer de ser convidada, e porque não, intimada a assistir um show musical sobre o qual não tinha ideia das sensações agradáveis que  me traria. O show era de um cantor baiano, famoso por sua união musical com outros artistas, de nomes mais divulgados do que o seu, conhecido como Paulinho Boca de Cantor. Mas, o que esperar desse ilustre cantor, incrivelmente desconhecido de muitos, em um show matinal de domingo a preço tão popular?

Era domingo, o show começaria às 11 horas, tinha visto no panfleto. Começava a minha semana oficial de folga antes de retomar fervorosamente os estudos e o trabalho, estava precisando. O cansaço me consumia demais e, mais do que ele, um sono interminável que me fez de início recusar o convite de sair daquela cama maravilhosa, que tanto satisfazia as minhas necessidades mais imediatas. Não levantei. Minutos depois recebi um telefonema que me dizia: "Venha, levante e venha me encontrar aqui! Ainda dá tempo". Algo além daquele telefonema me convidava a sair da cama, por mais insano que pudesse parecer naquele momento. De súbito, levantei! Lavei o rosto, coloquei uma roupa, tomei um leite e saí. Já não lembrava mais do sono, apesar dos meus olhos dizerem o contrário.

Já na porta do teatro, havia algum movimento. Subi as escadas, paguei R$ 1,00 e, de posse do bilhete, entrei no teatro. Antes de iniciar o show houve uma apresentação de balé. Era algo muito abstrato, algo que eu certamente não consegui alcançar. Mas o show musical seria diferente. Nele o cantor se propôs a contar entre introduções e músicas de compositores conhecidos, a história da música baiana. Que ideia simples e genial ao mesmo tempo. O repertório foi muito bem escolhido e nos apresentou primorosamente toda alegria e singularidade da música baiana desde 1902 aos dias de hoje. Sensacional! Mas houve algo mais do que um excelente repertório cantado por um cantor animado, competente e sua banda maravilhosa. Surpreendentemente havia algo de sensacional na platéia também.

Como podem imaginar, a música baiana tem uma origem alegre, algo que nos instiga a mexer com o corpo, além de transbordar a nossa alma de felicidade. Era algo como um samba, não sou boa em classificações musicais, mas era uma música alegre e instigante do ponto de vista corporal. Creio que não houve quem não se movimentasse, mesmo que discretamente, sentados em suas poltronas. Mas dentre todos aqueles que assistiam comportadamente ao espetáculo, um se destacou. Um rapaz jovem, levantou-se e começou a sambar. Movimentava o corpo de forma tão entusiasmada que o público encantou-se. Não satisfeito ele foi até a frente do palco, e lá apresentou seu show de dança particular de forma espontaneamente encantadora. A sensação que tive foi de emoção. As lágrimas me vieram aos olhos de forma que me senti tomada por uma espécie de alegria e contentamento. Me senti plena e feliz. Aquele menino havia me tocado a alma.

Mas existem protocolos! Estávamos no teatro mais importante e conhecido da cidade e aquilo seria inapropriado demais para ser permitido. E, para resolver essa questão "desconfortável" o pessoal do apoio foi conversar com o garoto. Certamente estavam lhe solicitando que sentasse e ficasse "quieto", como deveria ser. Aprendemos isso desde pequeno: "Não mexa nisso!" "Não faça aquilo!". Talvez num primeiro momento eles não tenham notado, e eu prefiro acreditar que não, mas o garoto tem a chamada Síndrome de Down. Ele voltou para o seu lugar, após resistir muito pouco (sua resistência foi continuar dançando enquanto a moça lhe falava ao ouvido) e sentou-se como todas as outras pessoas que lá estavam, comportadas, reprimidas, moldadas pelas convenções sociais que regulam nossos comportamentos.

Não adiantou muito. Ele levantou-se novamente ao som de outra música animadíssima e em poucos segundos, tornou-se atração coadjuvante do show pelo qual havíamos pagado. Seu espetáculo era lindo, brilhante e emocionante demais! Ele deixou a muitos de nós encantados, desejantes quem sabe, de estar no seu lugar e podermos também dançar ao som daquelas músicas instigantes e deliciosas. Novamente alguém falou ao seu ouvido. Dessa vez ele demorou mais um pouco, mas sentou-se ao final da música escolhida por ele, para deliciar-se com sua dança.

Já estávamos para mais da metade do show, que durou cerca de uma hora e meia, e uma moça de vestido vermelho que estava do outro lado do salão, levantou-se e, descalça, começou a dançar animadamente pelas escadarias do teatro. O rapaz, ao vê-la se remexendo, pareceu não resistir e levantou-se novamente. Dessa vez, ele voltou à frente do palco e dançou como antes... A moça desceu e fizeram um dueto de corpos na frente de todos que batiam palmas e gritavam de contentamento. O show tinha algo a mais, algo inesperado, algo de sensacional que ninguém jamais poderia imaginar. Não fosse a espontaneidade do momento, aquilo não valeria muito. Mas sim, teve um valor imensurável! A moça logo retornou ao seu lugar, mas ele continuou. E daí em diante foi difícil contê-lo. Ele permaneceu na frente do palco e os organizadores pareceram se render à naturalidade daquele show à parte que acontecia para todos nós. Jogaram luz no garoto. Aquela luz que destaca o ator principal num monólogo. E ele dançou. Dançou com sua sombra projetada, dançou consigo mesmo e dançou com todos nós. Foi algo indescritivelmente emocionante e inesquecível. Me senti apaixonada por aquele menino e pela espontaneidade que ele ali estava representando a todos nós. Um tapa na cara de tanta hipocrisia social sobre como devemos nos comportar. O que esse menino nos deu foi uma verdadeira lição de comportamento, educação, liberdade e convivência social. Nos ensinou um pouco sobre as desnecessidades de tanta formalidade.

Por que não dançar e dançar e dançar...? Verdadeiramente, nenhuma ordem se quebrou. Ele nos mostrou que há civilidade no incomum. Os seres humanos tradicionais seriam mais interessantes se aprendessem com aqueles que nos fazem viver em pensamento o que não temos coragem de viver em sociedade. Saí de lá querendo registrar esse momento na esperança de que a leitura desse texto me traga um pouco a emoção que senti naquele dia e da liberdade que pretendo imprimir na minha vida a partir de hoje.