16 de junho de 2014

Sobre a sexualidade das cores

Há tempos venho percebendo a sexualidade das coisas. Sim, das coisas... As pessoas, por alguma razão certamente escusa, têm ressaltado a necessidade de demarcar a sexualidade alheia pelas cores que usam ou preferem. Você pode me dizer: "Mas sempre foi assim!" E eu pacientemente seria capaz de compreender, mas não é o caso.

Eu sei que você tem razão ao fazer essa afirmação, mas as coisas sempre são como são pelo simples motivo de aceitarmos as normas sociais de um determinado momento histórico, sem nos propormos a discuti-las ou questiona-las. Foi assim com as noções de "inteligência", a ideia de Deus, os movimentos higienistas e a escravidão. Tudo sempre muito "normal"e até mesmo bem explicado e fundamentado. Mas o que quero propor é uma reflexão sobre a "normalidade" dos fatos. 

Nascemos em uma sociedade que espera e muitas vezes deseja filhos e, além disso, cria expectativas sobre o sexo da criança seja por questões familiares, pessoais ou irrelevantes. Mas, no geral, o que vemos é uma grande "disputa" que começa antes mesmo da concepção, e apostas sobre o sexo do bebê quando a mulher já encontra-se gestante. Os avanços da medicina permitem esse conhecimento a seu tempo e têm contribuído bastante para melhorias na saúde do bebê e da criança ao longo do seu desenvolvimento, aumentando a qualidade de vida e saúde dessas crianças, ao menos cientificamente. Conhecendo esses recursos e reconhecendo a importância de realizar os exames pré natais, os pais emocionam-se quando descobrem o "sexo do bebê" e dão início a uma corrida interminável pelo planejamento do ambiente ideal para essa criança, definidos prioritariamente pela cor que demarca a sexualidade desse bebê e dizem alegres: "É um menino! Vamos colocar um azul nessa parede e uns carrinhos espalhados pelo quarto!". Caso se trate de uma menina, nesse aspecto há maior flexibilidade podendo variar do rosa ao azul bebê, mas a preferência é pelas cores que antecipadamente definem a feminilidade da menina. Mas será mesmo?

Nos acostumamos tanto com as coisas que achamos bobagem discutir tudo, principalmente algo tão banal quanto o uso das cores que vestem nossos corpos ou que pintam nossas paredes. Cor é cor, isso é uma bobagem. Talvez seja... Mas foi assim que nos convencemos das explicações rasas que mantêm estereótipos de todas as formas, dentre eles aqueles relacionados à sexualidade. E um assunto leva ao outro, confundidamente nós nos acostumamos a falar de sexo, gênero e sexualidade sem saber exatamente do que se trata.

Vamos considerar que o sexo é o "aparato" biológico que me faz afirmar que uma criança é menino ou menina apenas por sua constituição anatômica. Já o gênero envolve uma questão social mais ampla e trata sobre a percepção que os indivíduos têm sobre si mesmos em relação ao sexo ao qual pertencem, reconhecendo-se como "meninos e meninas" ou "homens e mulheres". A sexualidade implica em ir muito além dessas questões e diz respeito à orientação sexual e suas vicissitudes que incluem sexo e gênero, não sendo possível me estender mais do que isso. Mas o grande "medo" da sociedade branca, hétero, cristã e burguesa encontra-se justamente relacionado a esse último conceito: a sexualidade. Num país onde a leitura perde espaço para a fofoca e a vida alheia, esquecemos de nos informar ou não nos interessamos mesmo, e passamos a replicar antigas crenças sobre sexualidade. Uma delas conseguimos reconhecer através das cores. A escolha de uma cor na infância, assim como do uso de certos objetos ou brinquedos, pode definir a nossa sexualidade... E, quando escolhemos a cor mais adequada para cada sexo, evitamos o pior no futuro e tudo se torna uma grande confusão para quem reflete sobre essas questões.

Quem inventou as cores? Melhor! Quem inventou o nome das cores? Quando definimos que "azul é de menino e rosa é de menina?" Onde está o manual sócio adaptativo das cores às pessoas? Não quis pesquisar sobre isso porque a proposta é falar de comportamentos cotidianos a partir de um olhar menos "científico" e mais analítico, mas fica a sugestão.

Em muitos dos meu passeios à livraria notei que a loja tem adesivos de duas cores diferentes para colar nas embalagens para presente: rosa e azul. O rosa é muito "pink" e o azul é num tom forte, talvez para não deixar dúvidas sobre a sexualidade das cores. Afinal, elas devem ser claras quanto àquilo que desejam comunicar. E num deses momentos, ainda na fila para embalar presentes, me chamou a atenção a pergunta da embaladora: "É para menino ou para menina?" no que a cliente prontamente respondeu "para menina" e ela colou o adesivo "pink" para a menina se sentir mais menina e a presenteadora sentir-se satisfeita por sua contribuição nesse quesito. A minha vontade foi perguntar se havia diferença, mas não achei conveniente interferir na conversa alheia. Pacientemente, esperei a minha vez...

E ela chegou. Certo dia, escolhi um livro e pedi para embalar numa embalagem infantil e, confesso, já havia me esquecido que existiam adesivos azuis e pinks, quando a embaladora perguntou: "É para menino ou para menina?" e eu pensei um pouco... "Tanto faz!". Senti que ela não esperava essa resposta e, confusa, insistiu: "Eu preciso saber para colocar o adesivo" e eu "Tanto faz!" e acrescentei "Não faz diferença a cor do adesivo. Escolha um". Então, inconformada, ela, passando a mão alternadamente sobre o adesivo rosa e o azul como se fizesse "uni-duni-tê", retrucou: "Então vou escolher o azul, porque se for menino o rosa é muito pink". Aceitei seu argumento irrefutável e deixei que ela colasse o adesivo,saindo sem dizer palavra sobre o sexo da criança.

Talvez eu não mude o mundo questionando sobre as cores, mas ao menos podemos pensar que a sexualidade está em nós e que precisamos de muito mais do que cores adequadas para discutir essa questão.