6 de outubro de 2014

Mais do mesmo: A política da ignorância e do preconceito


Em meio a tantas tensões pré eleições e a uma configuração política movimentada e emocionante com a morte de um presidenciável, uma candidatura anunciada, porém inesperada, expectativas sobre mudanças e receios por todos os lados, surpreendentemente algo conseguiu se destacar: A política do preconceito.

Obviamente que todos nós sabemos o quanto o preconceito e a discriminação no Brasil continuam com força total (ainda que mal disfarçadamente mascarado), mas é sempre tenebroso perceber o quanto as pessoas (seres humanos?) podem ser mesquinhas, ignorantes, arrogantes e preconceituosas. 

Desde ontem, quando foram anunciados os candidatos ao 2º turno das eleições para Presidente da República, indicando as regiões onde Dilma e Aécio tiveram maior votação (norte e nordeste e regiões sul e sudeste, respectivamente) que as atrocidades começaram a invadir a internet, das mais absurdas maneiras. E pasmem, nem precisamos vasculhar porque a enxurrada de abobrinhas (abobrinhas é muito meigo para o que anda circulando por aí...) passou a invadir as nossas páginas, despejando absurdos sobre nossos olhos. O pessoal do Sul/ Sudeste, que acredita que o Brasil é dividido em ricos, brancos e héteros de um lado e pobres, pretos e homos do outro, costuma considerar que essa evidente classificação os torna mais "sabidos", mais politizados e privilegiados em relação ao resto (e aqui serve como sinônimo de "sobra") do país. E sobre isso eu quero contar uma breve história.

De um lado, pertenço a uma família tradicional da Bahia que teve um representante, meu tio avô, que criou o Hino do Esporte Clube Bahia e influenciou toda uma geração de jovens através de um projeto educacional conhecido como "A hora da criança", numa época em que se conhecia o que era cultura e  crianças e jovens eram capazes de se engajar em atividades artístico-culturais de grande valor para a formação pessoal e de um país. Hoje tenho um tio que se tornou presidente da Academia de Letras da Bahia e tem dezenas de livros publicados, sendo reconhecido por sua oratória, vasto conhecimento e seriedade. Família da minha mãe, todos soteropolitanos e muito felizes por terem nascido aqui e fazerem parte da história da Bahia. Do outro lado, uma família qualquer do Rio de Janeiro, cidade onde nasci, onde minha mãe conheceu meu pai (?) e teve duas filhas. Para ser menos parcial, tive uma tia avó que era uma professora universitária muito querida e adorava me mandar livros e ler para nós. Só...

Minha mãe teve duas filhas e não conseguiu sustentar um casamento onde apenas um dos dois trabalhava e investia na família: Ela! Ele, um preguiçoso sustentado pela mãe e mimado... Ela, uma nordestina, que começou a trabalhar aos 18 anos, ajudou a pagar as contas de casa, enfrentou dificuldades das mais diversas e conseguiu com alguma ajuda da minha vó, criar e educar duas filhas, com um salário de professora e, naquele tempo, bolsas escolares. Minha mãe saia cedo e só chegava em casa no início da noite, sempre trabalhou muito, algo que provavelmente me deixou como legado. Ele, ao contrário, nunca teve um trabalho sério e JAMAIS contribuiu com nada que pudesse ajudar na nossa formação, de forma financeira ou afetiva. Ela nos proporcionou uma educação de qualidade que nos permitiu estudar em universidade pública, caso contrário não teríamos conseguido nos formar.

Usando o raciocínio fascista do discurso sulista, que obviamente não representa a todos, mas uma minoria irritante, ele deveria ser o inteligente, trabalhador e responsável, que sabe se posicionar, conhece os valores da família e sabe escolher o melhor governante para o seu país. Ela, por outro lado, deveria representar a preguiça e a ignorância, além de não dever ter o direito ao voto. Mas a história, como sabemos, não é bem assim. Basta lembrarmos que quem estragou o Brasil não foram os índios nem os escravos, mas justamente a aristocracia prepotente,exploradora e arrogante, como seus supostos descendentes que hoje reclamam de suas poltronas acolchoadas, de suas políticas de Facebook, de seus votos de cabresto, que trouxeram o país para o lugar onde ele está. Essas pessoas, que hoje abrem a boca e mostram seus rostos na internet, estão certas da impunidade, assim como estão certas do lugar privilegiado que ocupam. Por outro lado, não demonstram capacidade de argumentação ou de conhecimento, apenas reclamam, e reclamam, de forma tosca e ofensivamente repetitiva, como uma criança que, por não saber como se expressar faz birra e xinga o coleguinha.

É preciso acordar para a época em que vivemos, onde não cabem mais atrocidades como essas. Independente do posicionamento político que, nesse caso, foi somente um ponto de partida, precisamos aprender a respeitar o próximo e principalmente nos lembrarmos que todos pertencemos a uma mesma espécie. O homo sapiens do sul/ sudeste não é mais "evoluído" do que o homo sapiens do norte/ nordeste e, se fosse possível essa distinção, não duvido que o mais evoluído seria o homo sapiens nordestino por razões que a própria história reconhece. O Brasil nasceu aqui e há mais de 30 anos que sou baiana. Não podemos mais ficar calados diante de tanta discriminação e incitação ao ódio. 

Pelo que vimos, quem vota em Feliciano e Tiririca, vota consciente...

3 comentários:

  1. Falou tudo! O preconceito em todas as formas deve ser combatido, e principalmente essa imbecilidade, e total ignorância preconceituosa que sempre recai contra os nordestinos.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Thayse! Espero que possamos multiplicar nossa indignação e nos movimentarmos no sentido de combater todo ódio e preconceito contra os seres humanos.

      Excluir
  2. Adorei, Sassa! Muito bom, gostoso de ler e cheio de conteúdo! Parabéns pelo conjunto: as palavras bem escritas e o recado bem dado! Bjs

    ResponderExcluir