24 de abril de 2011

Ficar, refletir, paquerar...

Quando eu era mais nova tinha a idéia de dar o primeiro beijo em um homem por quem eu me sentisse apaixonada e desejava mais ainda que ele me quisesse como sua namorada e que nós pudéssemos firmar o nosso relacionamento e em um futuro mais distante casar, formando uma nova família como manda o figurino.

Acabou que por sorte de uma época onde estavam ocorrendo mudanças na maneira de lidar com o sexo oposto, ou melhor, na  forma de criar vínculos relacionais entre homens e mulheres (com uma quase inexistente perspectiva de namoro), o meu primeiro beijo foi em alguém por quem eu sentia uma coisinha gostosa, não sei dizer hoje do que se tratava, mas na época eu entendia como paixão. Foi um momento do tipo mágico, inesquecível, mais do que esperado... ele era alguém com quem eu àquela época, gostaria de ter criado um vínculo mais duradouro. Mas não foi o que aconteceu...

Sempre escutei as histórias de família sobre como as pessoas se conheceram no passado, dos romances, dos relacionamentos, dos galanteios masculinos perante as mocinhas, das artimanhas femininas para burlar as regras de horário e encontrar seus amores... Era um mundo possível, pois havia existido, com personagens que ali contavam pessoalmente as suas histórias e a de seus contemporâneos como se vê em contos de fadas, com bruxas, príncipes, sonhos, realizações, lições de moral e logicamente,  princesas. Tinha tudo isso nessas histórias reais. Pareciam-me histórias de amor bastante verdadeiras, com disputas pelo coração feminino, estratégias de conquista e paqueras que eram eficazes e inspiradoras. As mulheres se davam ao direito de escolher por atributos outros, o melhor par para construir uma vida a dois. Isso exigia dos homens e das mulheres estratégias mais elaboradas, criativas e inteligentes para aproximar-se e levar adiante os relacionamentos pelos quais acreditavam que valiam a pena.

De lá até a minha adolescência, quando a onda do "ficar" foi ganhando forma, me parece que algo foi se perdendo. Naquela época eu tinha dúvidas sobre o que era exatamente o tal do "ficar", sobre como tudo aquilo funcionava e mais ainda, algo que me intrigava demais: como era possível ter um momento íntimo (e entenda momento íntimo como beijar na boca, pelo menos naquele momento) com alguém por quem não sentimos afeição, admiração, respeito, ou um sentimento qualquer? Difícil... Tudo bem, eu tinha uma visão muito romântica do mundo a dois... muito romântica... e aquilo para a minha cabecinha era demais.

Não se falava em namoro e a paquera se restringia a poucas palavras. Na juventude não podemos perder tempo e partir para a ação era a ordem do momento. Se você demorasse, não se esperava muito. Parecia haver um contador rodando, tipo um taxímetro da pegação, onde não importava a qualidade do momento, mas a quantidade de gatinhas e gatinhos que se podia contabilizar. Isso certamente engrossou as nossas listas de beijos que lembramos hoje na idade adulta... O fato é que acabamos gradualmente aprendendo (aprendemos?) um pouco a lidar com essas modernidades e homens e mulheres foram modificando suas estratégias de paqueras ao longo dos anos. E o que antes era coisa de adolescente, hoje se reflete na idade adulta e muitos de nós perdemos a mão na hora de nos aproximarmos de alguém.

O respeito pelo outro foi se perdendo um pouco ao longo desse processo, e isso de um modo geral em nossos relacionamento cotidianos. Ganhamos uma coisa com isso tudo: insegurança. Não sabemos até onde ir, como, onde, quando... o que é mais "correto" ou "inadequado" (ainda existe algo inadequado?). Se nos declaramos, estamos indo rápido demais. Se não dizemos nada, somos frios e distantes, não demonstramos interesse. Se falamos que buscamos um relacionamento estável, estamos pedindo em casamento e isso, nem pensar! Se, se, se... E cria-se uma dúvida terrível sobre as expectativas que o outro tem sobre nós e mais, sobre o que efetivamente queremos quando entramos em qualquer tipo de relacionamento amoroso e até mesmo social de forma mais ampla.

Com tudo isso tenho percebido uma mudança na forma de olharmos o outro, de prestarmos atenção de fato e então nos sentirmos mais capazes para percebermos esse outro, entendermos esse outro, ainda que estejamos enxergando sob a nossa própria ótica. Desse modo creio que a paquera poderia voltar a ter o seu lugar. Não digo que ela não exista, mas sua forma atual tem se mostrado, na grande maioria das situações, efêmera, pontual, inespecífica, imediatista... E quando penso na paquera sinto como uma frase do Caetano Veloso: "... algo se perdeu, algo se quebrou, está se quebrando..."

Um comentário:

  1. Rapaz... adorei esse post! Venho pensando muito sobre isso... nesse novo modelo de relação efêmero, o outro torna-se um mero objeto. Pouco me importa as suas vontades, necessidades ou desejos... perde-se completamente a capacidade de olhar para o outro como TU... como você bem disse, de "perceber o outro". Gostei! Bjos, amore!

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